Once (Apenas uma Vez, no Brasil) é um filme sensacional, dirigido por John Carney e lançado em 2006. Apesar de toda a despretensão em sua execução sua qualidade levou-o a ser reconhecido e premiado mundo afora e com todos os méritos. A trama é simples em sua superfície mas no fundo é forte e reveladora da capacidade humana de ter esperança e de se superar. O filme é todo sentimento e esse sentimento alcança a platéia por dois motivos muito simples: (1) é repassado através da linguagem universal da música e (2) isso é feito por músicos que de fato compuseram aquelas canções. Tudo soa tão verdadeiro e não é à toa, uma vez que assistindo aos extras do DVD o ator-cantor Glen Hansard explica como o filme também conta, de certa maneira, a sua estória e que seus amigos e até sua mãe são personagens em algumas cenas.
Caso alguém esteja lendo isso e não conheça o filme saiba de antemão que vou contar detalhes da estória e de como algumas cenas me impressionaram, ou seja, spoilers à vista.
Nas cenas iniciais, o rapaz - o nome dos dois personagens principais não nos é revelado - está tocando na rua. Logo imaginamos alguém ou não muito talentoso ou já sem esperanças, uma espécie de mendigo de luxo que faz uso da arte para arrecadar alguns trocados e sobreviver. Isso é reforçado logo na primeira cena, em caráter quase-documental, em que o rapaz tem que correr atrás de um meliante que tenta roubar seus trocados.
Porém, logo na cena seguinte, acompanhamos a continuação do dia do rapaz, se entregando de maneira apaixonada a uma canção - que logo percebemos ser de sua autoria - sem que ninguém esteja acompanhando, já à noite e com uma leve garoa. Evidentemente, ele não está cantando aquela música por trocados, mas sim por amor ao que faz, pela música e por ser a música a forma que ele conhece para se expressar. E, mais do que isso, a música é sua mola propulsora para viver. Podemos dizer que sua vida gira em função de sua música e vice-versa.
E é ao final dessa cena que conhecemos a garota, que se aproxima e se mostra verdadeiramente interessada pela música e pelo rapaz. Mas, como notamos de imediato, o relacionamento deles já começa com uma pequena confusão e mal-entendido, o que vai acontecendo mais e mais à medida que eles vão se conhecendo melhor e é interessante como, de uma maneira geral, ela consegue impulsionar alguém a retomar sua vida, perseguir seus sonhos e objetivos e, até, lutar para reconquistar a sua ex-mulher, enquanto ela claramente encontrou alguém que oferece um pouco de conforto e compreensão.
Além da cena de abertura, a cena em que eles se descobrem como parceiros natos tocando juntos em uma loja de instrumentos, ela ao piano e ele ao violão, é tocante. A compreensão mútua e o quanto a letra da música tem a ver com eles dois e com sua situação, ao dizer "Não te conheço e por isso te quero ainda mais."
A tcheca Marketa Inglova não fica atrás com uma atuação brilhante, contida, forte. Ela também é música e parceira de Hansard na vida real. É dela a cena mais emotiva do filme, ao tocar ao piano os motivos de seu fracasso no casamento, sua desilusão e total entrega ao ex-marido e a falta de compreensão percebida. Belíssimo e, naturalmente, a única das músicas que não consegue ser executada até o final.
Sim, é isso mesmo. O filme é um musical e todas as músicas que ouvimos são tocadas integralmente, em um estilo quase-documental acompanhamos ensaios, gravação em estúdio, novas composições, já que os personagens se expressam sempre através da música, como no trecho em que ela faz perguntas para entendê-lo melhor e as respostas vem em forma de estrofes improvisadas. Por outro lado, contando com uma carga dramática forte e personagens densos e bem construídos, a película se afasta da linguagem de videoclipe, o que é bastante importante para seu sucesso.
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