"Poetas e loucos aos poucos
Cantores do porvir
E mágicos das frases
Endiabradas sem mel
Trago boas novas
Bobagens num papel
Balões incendiados
Coisas que caem do céu
Sem mais nem porquê (...)"
(...) Hard is the floor
As the waves pound the shore
Of your wounds
Roll up your sleeve
It's hard to believe
But it's you
Love it or leave it
Love it or leave it
Love it or leave it
Love it or leave it
You got to believe it
My Oh My, It hurts sometimes
Oh My Oh My, It hurts sometimes I think I'm running out of time
Before I'm gonna lose my mind Slow is the night
When you reach for the light
But the dark lingers on
Slow is the bite
Of the words that you write
When it's finally dawn (...)"
---- Em um texto do meu outro blog (Esfarelado) eu descrevi a noite em que descobri Asaf Avidan e reencontrei Joe Bel (que ilustrou os versos de ontem, de anteontem e de faz tempo). Aquela foi uma noite que, sei, será difícil esquecer. Um dos daqueles momentos em que sentimos plenitude. Plenos de satisfação de estarmos vivendo o que estamos vivendo. Foi a experiência da descoberta. Foi a arte sendo degustada como deve ser: com o mal-estar inicial sendo aos poucos substituído pelo entendimento e, finalmente, pela devoção. Asaf é um artista. No clipe acima ele mostra corpos nus dançando ao som de Love it or Leave it. Todos os corpos, curiosamente, vestem uma máscara do cantor. Cada um de nós, anoninamente, possuindo a cabeça criadora do músico. Fazendo de nossos corpos instrumentos para transportar suas ideias, sua música, seus versos. Amá-lo ou deixá-lo. Amar ou deixar alguém. Quem? Não importa... estamos sempre apaixonados, por alguém ou por nós mesmos. E a cada instante nossos sentimentos são postos a prova. Sentimos dor e ansiedade, sim. Buscamos a noite ou o dia, sim. Lenta é a mordida de suas palavras quando você escreve que o amanhecer chegou. É, Asaf marcou e marca. Ouço sem cessar e admiro sem parar. Cresce. E, como é o propósito dos versos do dia, por vezes encontro ressonância em mim. E hoje "Love it or leave it" bateu fundo. Mas misturo seções e indico Asaf, para que outros corpos nus possam também hospedar sua arte. Ame-o ou não.
"Foi grande o meu amor
Não sei o que me deu
Quem inventou fui eu
Fiz de você o Sol
Da noite primordial
E o mundo fora nós
Se resumia a tédio e pó
Quando em você tudo se complicou
Se você quer amar
Não basta um só amor
Não sei como explicar
Um só sempre é demais
Pra seres como nós
Sujeitos a jogar
As fichas todas de uma vez
Sem temer, naufragar (...) Eu quero tudo que há
O mundo e seu amor
Não quero ter que optar
Quero poder partir
Quero poder ficar
Poder fantasiar"
Em determinado momento do show ele diz "Eu sou do tempo em que não era crime (homem) ter cabelo comprido e nem uma banda fazer música longa. Eu fiz várias e vou tocar uma delas para vocês" e começou a tocar a música que é, junto com Piano Bar, a minha favorita dos Engenheiros do Hawaii. A música que reproduzo acima, executada pelos mesmos músicos que tocaram para mim na última sexta-feira, 10/05, em Joinville: Gessinger, no baixo e vocais, Rafael Bisogno (bateria) e Rodrigo Tavares, nas guitarras. A música é A Violência Travestida faz seu Trottoir e diz, em certo trecho: "uma bala perdida encontra alguém perdido / encontra abrigo num corpo que passa por ali / e estraga tudo, enterra tudo, pá de cal / enterra todos na vala comum de um discurso liberal" pois "a vida quando acaba / cabe em qualquer lugar / e a violência travestida / faz seu trottoir".
Gessinger vive, hoje, do sucesso que construiu nos anos 80. Nos anos 90 a banda se desfez e houve um álbum com uma formação diferente, um novo projeto, chamado Gessinger Trio. Depois houveram novas formações dos Engenheiros do Hawaii, novas tentativas solo e, mais recentemente, o duo Pouca Volga com Duca Leindecker. E de novo a carreira solo e uma turnê com um novo trio. Mas o público, enquanto espera por sua entrada no palco, ainda grita: "Ow, Engenheiros, ow, Engenheiros". Sim, ele vive dos sucessos de seu passado, apesar de incluir no concerto músicas compostas nos anos 2000 e até duas canções inéditas!
Por falar no novo trio, é necessário comentar que a presença de Rodrigo Tavares (ex-Fresno) tocando guitarras trouxe um peso muito bem-vindo às composições clássicas. Ele não é um grande instrumentista e não consegue executar com precisão vários dos trechos das músicas tão conhecidas pelos fãs... mas, ao mesmo tempo, usa distorções e uma roupagem hard-rock que descaracteriza e moderniza um pouco nossas velhas conhecidas.
O concerto foi, portanto, muito agradável pois é sempre bom ouvir canções que marcaram uma fase tão boa da vida... Piano Bar, Ando Só, O Exército de um Homem Só, Infinita Highway, Refrão de Bolero, Pra ser Sincero, Somos Quem Podemos Ser, Várias Variáveis... são várias as músicas que perfilam as duas horas em que o novo Gessinger trio se apresenta. E vale, sim, muito a pena revivê-las!
Ainda mais quando antes somos apresentados ao 9 de Espadas, banda de Joinville que bebe na fonte do rock brasileiro dos anos 80. É pena que o público não os tenha prestigiado como mereciam, ainda que uma ou outra músicas tenham encontrado coro na platéia. O rock da banda é muito bem produzido, contagia, o vocal é bom e os músicos são afiados.
E o tal Mr. Pi, do Pijama Show da Rádio Atlântida, que também é músico nas horas vagas, entrou durante o show do 9 de Espadas, assumiu os vocais e ouvimos duas versões brilhantemente executadas, muito mais rockers do que os originais, de Sociedade Alternativa (Raul Seixas) e Meninos e Meninas (Legião Urbana). Renato Russo sendo cantado no mesmo palco em que Gessinger se apresentaria minutos depois? Quem viveu os anos 80 - e os diversos mitos que se propagavam e dificilmente podiam ser checados - sabe que Gessinger e Russo são inimigos mortais... será mesmo? Bem, eu achava que o mito era verdade... mas quando o ex-líder dos Engenheiros substituiu Julio Iglesias por Renato Russo em Piano Bar, eu acho que finalmente a minha resposta estava dada. Era balela...
"(...) Minha vida é tão confusa quanto a América Central
Por isso não me acuse de ser irracional"
Hoje estava em uma loja, comprando presente para o dia das mães e me perguntaram "Onde você mora?"... e a resposta sincera é "Não moro em lugar nenhum". Vida em trânsito, hospedado dia aqui dia ali... hoje é exatamente 10/05 e no dia 10/04, há um mês, eu entreguei as chaves do meu apartamento em Lyon e parti de volta ao Brasil. Fiquei hospedado uma semana no Chile na casa de amigos, fiquei em um hotel em Petrópolis e depois dividi, com amigos, um apartamento alugado por alguns dias no Rio. Atualmente estou na casa da minha irmã, daqui sigo para me hospedar em outra cidade, na casa de outro amigo... sigo depois adiante até a casa de minha mãe... Se essa vida não tá confusa o suficiente só pode ser porque a situação da América Central piorou muito!
E em cada um desses lugares tenho ouvido música ao vivo! Joe Bel, Asaf, Ooops, Darling! foram os últimos em Lyon. Pedro Piedra e Biorn Borg foram as surpresas ouvidas em Santiago. No Rio, fomos ao Rio Scenarium ouvir samba clássico tocado ao vivo e interpretado pela bela voz de Joyce Cândido.
Agora é a vez de Joinville e, no sul do Brasil, nada mais propício que ouvir Humberto Gessinger, a voz por detrás de uma das maiores bandas brasileiras dos anos 80, os Engenheiros do Hawaii. Eu já fui vê-los ao vivo, enquanto ainda se chamavam Engenheiros do Hawaii mas já não mais com a formação original. O Gessinger parece não ser figura das mais fáceis - segundo dizem as más linguas - mas continua na ativa e hoje vai ser ano de reviver um pouco mais dos anos 80 na forma de suas canções cheias de frases interessantes e refrões grudentos! E lá vamos nós!!
Não é de hoje que a cena musical autoral em Campo Grande têm se mostrado virtuosa. Nos últimos 3 meses tenho ouvido com frequencia as cinco músicas do Chá Noise, banda campograndense, contidas em seu documentário+videoclipes, intitulado sugestivamente de Aglomerado de Ervas (inclui o link para o video no fim desse post).
Adrian, Anédio, Gleyton, Jungle e Xaras fazem um dub-reggae cheio de misturas e influências, com muito swing e energia. A compilação das 5 músicas entremeadas por depoimentos dos membros da banda é rica e ajuda a contextualizar pequenos elementos do próprio som ou das letras.
Se Liga Nesse Balanço, O Flow do Gurizinho, Deixa Fluir, O Jogo vai Virar e o Swing Boom Boom da Morena são as 5 músicas do grupo que podem ser ouvidas no mini-documentário. Talvez o maior elogio que eu possa fazer ao Aglomerado de Ervas é que cada uma das 5 canções já ocupou o espaço de minha favorita. Atualmente, estou entre Se Liga Nesse Balanço e O Jogo Vai Virar, que acho as mais completas. Mas o trabalho é tão coeso, rítmico e multi-facetado que essa preferência pode voltar a mudar. E essa característica é comum apenas em bons artistas, que fazem música com identidade.
"Não vá pensar que eu sou um anjo... só por fazer você voar", canta Xaras na primeira das cinco. E quando ele diz "vem cá se liga nesse balanço, é só rodar e deixar levar" é um convite para que possamos acompanhar a beleza, harmonia e ginga das composições do CháNoise, o que posiciona muito bem Se Liga Nesse Balanço como a canção inaugural do vídeo. E se há alguma dúvida de que uma banda de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, pode fazer um som original e de muita qualidade a resposta é dada na própria música... "o que acontece é que moleque dá conta, o que acontece é que ele sabe sambar. Segura a bronca e ainda tira uma onda, mostra pro mundo que ele sabe sambar."
Uma vez apresentado o cartão de visitas, a banda segue para O Flow do Gurizinho, faixa que batiza o que virá a ser o primeiro álbum do CháNoise. Antes da música, novos depoimentos e dentre eles ouvimos Adrian Okumoto, baixista, parafrasear Lavoisier indicando que "tudo se cria e nada se compara". Oportunamente dito justamente antes da música em que a base de piano vem de MC's Act like they don't know, de KRS-One. Mas ainda que se queira copiar, não vai ser igual, como diz ele. E, mais ainda: "quem não deve, não treme... só segue em frente." A música está lá e, curiosamente, a letra tem também uma levada rap em certos trechos, remetendo ainda mais à fonte... mas há personalidade e originalidade suficientes para confirmar que nada se compara.
Em um dos depoimentos que antecedem essa segunda canção,Gleyton comenta que uma das coisas mais interessantes deste trabalho é as possibilidades trazidas pela MPC, como a de poder tocar saxofone! E é muito interessante notar como a edição do video (dirigido pelo Adrian!) cria essa fluidez pois podemos conferir até mesmo um solo de saxofone (sintetizado) em um determinado momento de O Flow do Gurizinho! (por volta dominuto 10 do vídeo).
Então quando ouvimos Jorge Jungle dizer que não há como deixar de incluir as influências pessoais no som da banda e que, querendo ou não, referências dessa natureza vão aparecer e, em seguida, somos apresentados a Deixa Fluir, é difícil não notar as diversas referências espirituais presentes na letra da música. E trazer temas caros aos artistas em suas composições é o que se espera de artistas e de sua arte, portanto, nada mais benvindo do que conhecer as pessoas por trás da obra usando-se da própria obra para tanto!
A canção diz: "...e toda estrada que andei, caminhei, calejei, calejou, tá calejado", o que me faz pensar na fluidez da vida, do início em direção ao fim. O que foi vivido, foi vivido, não há volta. A estrada que andei deixou marcas, mas calejou, tá calejado. Mas a letra segue dizendo: "...e toda vida que passei, representei, carimbei, se carimbou, tá carimbado". Basicamente a mesma estrutura dos versos anteriores, mas agora trocando a estrada que andei pela vida que vivi e aqui temos a primeira constatação de que estamos falando de algo além, transcendental. Cada vida tem sim sua história, seu carimbo. E ao vivê-la, carimbei aquela vida com seus padrões, suas formas. Mas e se a vida se repetir indefinidamente? E se houverem mais vidas? "Ninguém mandou ter asas, agora voa", continua pregando, e segue com "e mais um dia de demanda faz pensar, em quantas vezes eu voltei e vou voltar? E qual caminho certo eu devo trilhar? Para evoluir nego, tu tem é que trampar" e a espiritualidade - eu diria até, o espiritismo - fica ainda mais evidente. Se temos asas (uma vida a ser vivida), então que voemos (vivamos!). Não há como saber quantas vezes já estivemos aqui ou quantas vezes ainda retornaremos, mas o que é certo é que se quisermos evoluir é necessário trabalharmos (nós mesmos!). É bom ver esse zelo também pelas letras! Deixa fluir com amor!
E a mesma pegada exibida em Deixa Fluir segue em uma das minhas favoritas atuais, O Jogo vai Virar. Xaras divaga sobre a essência do bem, entre ser bom ou ser justo e, em seguida, declama: "para aqueles que não derem oportunidade, como é que esse jogo vai virar?", que é uma provocação muito justa para aqueles que querem algo mas não se movem para alcançar! Mas ele segue dizendo algo que vai além de objetivos pessoais e toca a humanidade em geral: "com ódio, preconceito e falta de coragem, as coisas por aqui não vão mudar", levando a um crescendo musical que culmina apoteoticamente no refrão: "adultos, jovens, velhos e crianças, a hora da verdade irá chegar, juntos pelo amor, vamos para a luta, que a hora do combate começou, encontraremos pedras em nossos caminhos, flores com espinhos, mas nada pode nos parar... tu tá caido, nego, acorda, roda, bota prá quebrar... a vida é louca e as ruas tortas ninguém sabe onde vai dar". Música engajada, motivante e, ainda mais importante, empolgante para ser cantada a plenos pulmões. Vamos, sim, acordar e botar para quebrar!
Para finalizar o video, depoimentos geográficos! Campo Grande está no meio, entre o asfalto e o mato, com um estúdio rodeado por lagos, árvores - o lado orgânico do som da banda. A cidade morena - assim conhecida devido à cor avermelhada de sua terra - é homenageada em mais uma música que pega emprestada a base de Wilmot's Last Skank, do Sabres of Paradise, para cantar sobre as delícias da capital do MS! Dois trechos da música são especialmente claros quanto às referências a Campo Grande: "segunda-feira, ladeira, poeira vermelha no ar" e "no vai e vem na fronteira que a fonte não pode secar", o que reforçam também a identidade CháNoise da banda. E que venham logo o primeiro álbum com mais músicas e os concertos, que o show não pode parar...