terça-feira, julho 31, 2012

Camille

Camille conseguiu algo que eu julgava impossível. Ela pôs à prova uma de minhas mais antigas paixões. Quem me conhece sabe que uma das poucas perguntas quanto a minhas preferências que eu não hesito em responder é "qual é a sua cantora favorita?". Björk ocupava esse posto fácil, dona de uma voz possante e única, de um estilo inovador e matreiro, cheia de energia e de experimentalismo, bem ao meu gosto...

Pois bem, já não tenho mais certeza do que eu responderia a essa pergunta. É fato que as virtudes de Björk me fascinam mas também é verdade que após o belo filme Dançando no Escuro e sua tocante trilha sonora Selmasongs (5o. trabalho da carreira solo da islandesa), o experimentalismo passou a dominar sua obra de uma maneira um tanto pedante, sem se preocupar com melodias ou com a "audibilidade" do que produziu depois. Medúlla e Vespertine apresentam tão somente um exercício de estilo e o que dizer da trilha "Drawing Restraint 9", que passa a barreira do irritante. Só com Volta e que Björk de fato voltou a sua melhor forma, entregando um álbum que faz jus ao seu talento, deixando um pouco de lado a sua busca por sons absurdamente originais (e chatos!).

Pois bem, Camille lembra muito a Björk do início de carreira, a Björk pela qual me apaixonei. Ela também tem um controle total sobre sua voz e o seu timbre é ao mesmo tempo marcante e tocante. Não são poucos os arranjos das canções de Camille em que apenas o próprio corpo é usado como instrumento: batucadas em suas bochechas, beat box (percussão feita com a boca), palmas, estalos, sapateado, tudo é permitido para que a sua voz seja embalada da maneira mais natural possível, com arranjos primários. La Jeune Fille aux cheveux blancs (abaixo) e My Home is Where it Hurts, por exemplo, seguem esse estilo.




Camille se diferencia de Björk, com vantagens, pelo bom humor que usa para impregnar suas músicas. No concerto que assisti na última sexta-feira pude notar isso ao perceber que fiquei com um sorriso no rosto durante praticamente as duas horas da apresentação. As suas interpretações são outro show a parte, dona de uma forte presença de palco ela se utiliza de alguns poucos elementos cênicos para ajudar a contar as estórias de suas músicas. Mais interessante ainda é notar que ela alterna com desenvoltura músicas mais bem humoradas (My Man is Married But Not to Me, Cats and Dogs, La France) com outras com uma veia lírica, poética (Aujourd'hui, L'étourderie, Tout Dit) e que a plateia segue a mesma vibração, ora cantando e se divertindo junto ora em completo silêncio, em veneração e reverência completos pela interpretação tocante que estávamos a presenciar.

O palco consiste basicamente de um grande lençol branco estendido ao fundo e uma lâmpada presa a um longo fio que ela utiliza com maestria. Ora para fazer sombras que ajudam a contar sua música, ora para realçar certos elementos (o rosto de um dos músicos, o contrabaixo de outro) e o que eu achei ainda mais genial, em certas músicas em que a letra indicava movimento (partida e chegada, ida de uma pessoa sem se saber se haverá um retorno) ela o arremessava e vê-lo fazer movimentos de pêndulo, projetando ao fundo os instrumentos, os músicos, ela própria à medida que se movimentava ajudava, e muito, a enriquecer a experiência e a fazer sonhar.

Conhecia todas as músicas que ela cantou no show. Ela deixou de cantar três das minhas músicas favoritas e ainda assim estou certo de ter assistido um dos três melhores concertos de minha vida. Mesmo músicas pelas quais não nutria muita simpatia, ao vivo conseguiram ganhar destaque ora pela interpretação (Bubble Lady foi bizarramente contagiante!), ora pelo humor (ver o pianista parar de tocar, se levantar e balançar o corpo de Camille para obter a voz reverberante desejada por ela é algo inusitado e adorável! Veja abaixo um video em que a cena se repete, veja a partir do 1min22).


Os três músicos que a acompanham estão também totalmente entregues ao conceito, usando variados instrumentos e seus corpos como mais um deles. Em várias das canções era difícil entender como os sons estavam sendo produzidos, tamanha a comunhão entre aqueles quatro músicos tornando a nossa experiência única.

Para fechar, Camille foi também genial ao fazer o segundo bis da noite e ao invés de cantar uma das músicas que deixou de fora (talvez uma das 3 que eu tanto aguardei, Pour Que L'Amour Me Quitte, por exemplo!) ela decidiu fazer uma improvisação com os músicos e a plateia, isto é, deixando muito claro que não apenas presenciamos um espetáculo mas fizemos parte dele e que isso é único. Ao nos fazer cantar juntos ela transformou aquela noite em Fourvière em algo particular para cada um de nós que lá estávamos. Camille é demais!


No alto de seu quarto álbum é nítida a sua evolução musical. Ilo Veyou, seu quarto álbum, é o melhor deles. Assim como Homogenic, o quarto álbum de Björk, ainda é o seu melhor. Resta agora aguardar o que Camille vai nos proporcionar com seu talento mas desde já tenho uma certeza, não posso voltar ao Brasil sem assistir a pelo menos mais um concerto dela.

terça-feira, julho 24, 2012

Música do Dia: Home is Where it Hurts




"...A la maison
Dans ma maison
C'est là que j'ai peur
Home is not a harbour
Home home home
Is where it hurts
My home has no heart
My home has no veins
If you try to break in
It bleeds with no stains..."

Músicas podem ganhar nova roupagem, novo significado, de acordo com o momento do ouvinte. Isso é arte em seu estado puro, dependendo sempre da interpretação e do sentimento de quem recebe e não de quem emite. Ao artista não cabe interpretar sua própria obra.

Camille é uma surpresa sempre. Experimental ao extremo. Gosta de correr riscos. Canta em inglês e em francês mas, principalmente, canta com sua voz apaixonante e com sua arte em estado puro. Em casa é que sinto dor. A intimidade, a proximidade, o conforto que são normalmente associados ao lar aqui são substituídos por outros sentimentos, o abandono, o desconforto, a dor, a solidão. E como isso cabe bem em mim atualmente.

sexta-feira, julho 20, 2012

Música do Dia (na verdade, do último domingo!)


Domingo, 15 de julho. Lisboa. Palco de vários concertos em um festival local organizado por uma companhia de telefonia móvel. Palco de uma enorme emoção para um fã da banda Radiohead, saído do Brasil, saído de Campo Grande, saído de Costa Rica, saído de São Paulo. Que se encontra ouvindo Thom Yorke rasgando a fria noite lisboeta com sua voz rouca, num misto de suavidade e dor, cantando "Não é só porque você sente que significa que é real" ou qualquer coisa que o valha.

There There não ERA uma das minhas canções preferidas. Mas foi o ponto alto desta noite especial e só por isso já merece um lugar de destaque junto a tantas outras músicas que me marcaram e continuarão a ter lugar especial em minha vida. Paranoid Android foi cantada no show e continua a ser a melhor música, aquela que me fez apaixonar pela banda e também aquela que me apresentou-os.

Mas There There foi diferente. Contagiou, emocionou, empolgou! Foi mágica.